Mãe, pobre com gêmeas no colo, pede para cortar a grama em troca de comida. Mas um bilionário vê tudo e faz o inacreditável. A casa era grande demais para um homem só. Juliano sabia disso, sempre soube, mas nunca ligou. Preferia o espaço vazio, os cômodos silenciosos, o eco dos próprios passos nos corredores.
Era assim que ele vivia, era assim que ele escolhera viver. ou pelo menos era o que dizia para si mesmo. A mansão tinha três andares, oito quartos, uma biblioteca que nunca via um livro aberto, uma sala de jantar onde a mesa acumulava poeira. Ele vivia basicamente entre a cozinha, o escritório e o quarto. O resto era apenas espaço.
Espaço vazio que ecoava solidão em cada canto. Não que ele ligasse. Solidão era melhor que decepção. Silêncio era melhor que brigas. Vazio era melhor que abandono. Naquela tarde de quinta-feira, Juliano estava onde sempre estava, na cozinha sozinho. Tomando café que tinha esfriado havia uma hora.
porque ele tinha esquecido da xícara enquanto lia o mesmo parágrafo do jornal, pela terceira vez, sem absorver nada. A rotina nunca mudava, nunca acordar às 6. Café preto, sem açúcar. Jornal, 2 horas no escritório. Almoço simples, sempre sozinho. Mais trabalho. Jantar frio, na maioria das vezes sobras. dormir cedo, acordar, repetir.
Ele gostava assim, não tinha que lidar com expectativas, não tinha que ouvir reclamações sobre como era frio, distante, impossível de amar. As mulheres sempre iam embora, todas, uma após a outra, sempre dizendo a mesma coisa. Você não tem coração, Juliano. Você é gelado. É impossível te alcançar. Ele parou de tentar depois da quarta ou quinta, perdeu a conta e parou de se importar.
Agora, aos 38 anos, ele apenas existia em silêncio, em paz forçada, em solidão que jurava ter escolhido. Foi quando a campainha tocou. Juliano ergueu os olhos do jornal, franzindo a testa. Ninguém tocava aquela campainha, nunca. Ele não recebia visitas, não tinha amigos próximos, não tinha família na cidade. Ignorou, voltou ao jornal, a campainha tocou de novo, mais longa, mais insistente.
Ele suspirou irritado e largou o jornal na mesa com força. A xícara de café frio tremeu. Levantou e foi até a janela da sala que dava pro portão da frente. Do outro lado das grades de ferro preto, uma mulher. Juliano estreitou os olhos, tentando ver melhor. Ela era jovem, vinte e poucos anos, no máximo. Magra, muito magra, perigosamente magra.
Usava uma blusa desbotada, calça jeans com buracos nos joelhos que não pareciam propositais, tênis completamente gastos. O cabelo loiro estava preso num rabo de cavalo desfeito, com mechas soltas caindo no rosto e nos braços duas bebês. Ele sentiu a irritação subir pela garganta. Sabia exatamente o que era. Mais uma história triste.
Mais alguém pedindo dinheiro, comida, ajuda, sempre a mesma coisa. Pensou seriamente em não atender, em voltar pra cozinha e ignorar até ela ir embora. Mas a mulher tocou a campainha pela terceira vez, segurou por mais tempo e quando soltou, olhou diretamente pra janela onde Juliano estava. Ela o tinha visto, sabia que ele estava ali. Juliano cerrou os dentes, amaldiçoou baixinho e foi até a porta.
Abriu com força e caminhou pelo caminho de pedras em direção ao portão. A grama dos dois lados estava absurdamente alta, chegando quase na cintura em alguns pontos. Ele não cortava aquilo havia meses. Não via razão. Quando chegou perto, a mulher deu um passo à frente. Os olhos dela eram castanhos, fundos, com olheiras roxas que denunciavam noite sem dormir.
Mas havia algo ali que o pegou de surpresa. Não era súplica, era determinação. Orgulho. Boa tarde, ela disse. A voz saiu firme, clara, apesar do cansaço óbvio. Meu nome é Dafne? Juliano não respondeu, apenas cruzou os braços e esperou, deixando o silêncio se estender. Uma das bebês nos braços dela começou a se mexer, fazendo um barulhinho baixo.
Foi quando ele viu melhor, gêmeas, idênticas, loirinhas como a mãe, com aqueles olhos azuis claros que pareciam enormes nos rostinhos pequenos. Seis meses, ele estimou, talvez sete. Eu sei que o senhor não me conhece. Dafne continuou falando um pouco mais rápido agora, como se tivesse medo de perder a coragem. E sei que isso pode parecer estranho, mas eu preciso de trabalho.
Juliano manteve a expressão neutra. Não tô contratando ninguém. Não é trabalho fixo ela se apressou. Não é nada permanente, é só um dia, algumas horas, qualquer coisa. Eu vi que a grama tá muito alta. Posso cortar, posso limpar, posso fazer qualquer coisa que o senhor precisar. Ele a olhou sem expressão alguma.
Não preciso de nada, viu quando o rosto dela desabou por um segundo, mas ela se recompôs rápido, respirou fundo e tentou de novo. Por favor. A voz dela vacilou só um pouco, mas ela lutou para manter firme. Eu corto toda a grama, o jardim inteiro em troca de comida. Só isso. Não precisa ser muito. Só só comida para elas.
Ela olhou pras filhas quando disse isso. Não para ela mesma. Pras filhas. Sempre pras filhas. Juliano seguiu o olhar dela. As bebês estavam quietas, mas ele podia ver claramente os rostinhos um pouco pálidos demais. As bochechas que deveriam ser mais cheias, fome. Ele reconhecia os sinais. Algo pequeno e irritante incomodou no peito dele. Algo que não queria sentir. “Eu trabalho bem”, Dafne insistiu.
A voz ganhando mais força agora. Não tô pedindo caridade, não tô implorando esmola, tô pedindo trabalho. O Senhor me dá serviço, eu faço direito e em troca o Senhor me dá comida para elas. É justo. É uma troca justa. Havia orgulho ali, dignidade clara na forma como ela se segurava ereta, os ombros para trás, apesar do cansaço extremo impossível de não perceber.
Ela não estava mendigando, estava negociando, oferecendo seus serviços. Juliano olhou pra grama absurdamente alta, olhou de volta para ela, para as duas bebês loirinhas nos braços magros dela. Todas as vozes racionais na cabeça dele gritavam para recusar, para dar algum dinheiro, talvez, e mandar embora. Não se envolver, nunca se envolver. Mas sua boca se abriu e disse algo diferente.
Tem um cortador no galpão. Faça o que quiser. Dafne piscou várias vezes, surpresa como se não acreditasse no que tinha ouvido. O senhor, o senhor tá falando sério? Ele não repetiu. Nunca repetia. Apenas destravou o portão com um clique e o empurrou para dentro. O metal rangeu alto no silêncio da tarde. “O galpão fica nos fundos”, ele indicou com a cabeça.

Porta azul, não tem como errar. “Obrigada”, Dafne sussurrou. E havia tanta emoção naquela palavra que Juliano teve que desviar o olhar. “Muito obrigada mesmo. O senhor não sabe o quanto só faz o trabalho.” Ele interrompeu, a voz saindo áspera. Virou as costas antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa. e voltou para casa com passos rápidos, quase fugindo.
Fechou a porta e ficou parado no corredor por um segundo, a mão ainda na maçaneta. O que diabos ele tinha acabado de fazer? Balançou a cabeça, irritado consigo mesmo, e voltou pra cozinha. Sentou na mesma cadeira, pegou o jornal de novo, olhou para as palavras impressas, não conseguiu ler uma linha sequer. 5 minutos se arrastaram. 10.
Juliano se pegou na janela, olhando pro jardim. Dafne tinha encontrado o galpão. A porta azul estava escancarada. Ela tinha colocado as bebês no chão lá dentro, em cima de um cobertor velho e fino que provavelmente carregava na bolsa poída. Agora tentava arrastar o cortador para fora. Era um modelo antigo, pesado, completamente manual. O tipo que exigia força bruta para funcionar. Juliano franziu a testa.
Ela era magra demais para aquilo, fraca demais. Mas Dafne não desistiu. Conseguiu puxar o cortador, posicionou na grama alta e começou a empurrar com toda a força que tinha. O cortador mal saiu do lugar. A grama estava muito alta, densa, cheia de ervas daninhas. O cortador travou quase imediatamente. Juliano viu quando ela parou, limpou o suor que já começava a se formar na testa e olhou para as filhas para ter certeza que estavam bem.
viu quando ela respirou fundo e empurrou de novo com determinação. Teimosa, completamente teimosa. Ele voltou pra mesa, tentou ignorar, não conseguiu. 10 minutos depois, estava na janela de novo. Dafne tinha cortado uma linha pelo jardim. Torta, irregular, mas uma linha. Agora tentava fazer a segunda. Os movimentos dela eram visivelmente lentos, pesados. A cada empurrão, o corpo inteiro se inclinava paraa frente.
Ela parava a cada 2 m para respirar, apoiando as mãos nos joelhos, o peito subindo e descendo rápido demais. Juliano apertou a mandíbula com força. Aquilo era completamente ridículo. Ela ia se matar. 20 minutos se passaram. Meia hora. Dafne tinha cortado talvez um quarto do jardim da frente.
As linhas estavam completamente irregulares, mas ela continuava suando, lutando contra aquele cortador impossível. Foi quando aconteceu. Ela empurrou o cortador com toda a força que tinha. Ele travou violentamente em algo, provavelmente uma raiz grossa escondida na grama. Dafne tropeçou pra frente com o impulso, os braços girando no ar, tentando se segurar. Juliano viu o momento exato em que as pernas dela cederam completamente.
Estava fora de casa antes de processar o pensamento. Cruzou a grama alta em passadas longas e rápidas, o coração batendo mais rápido do que deveria. Chegou quando Dafne tentava se levantar, apoiando as mãos trêmulas no cabo do cortador, os joelhos falhando. “Ei”, ele disse e a voz saiu mais alta e áspera do que pretendia.
Ela olhou para cima, os olhos arregalados de susto. “Tô bem”, ela disse rapidamente, quase gaguejando. “Só tropecei. Já volto ao trabalho, eu prometo. Só preciso de um segundo.” “Não.” Juliano cortou seco. “Não tá bem.” Ele a pegou pelo braço antes que ela pudesse protestar ou cair de novo. Sentiu imediatamente como ela estava tremendo.
A pele estava gelada, apesar do suor. Suor frio, sinal ruim. Quando foi a última vez que você comeu? Dafne não respondeu, apenas desviou o olhar. Responde ontem. Ela admitiu a voz tão baixa que ele quase não ouviu. De manhã cedo, mas elas comeram hoje. Consegui leite numa igreja. Elas estão bem. Eu posso continuar. Eu juro. Entra na casa.
Juliano interrompeu. Mas eu ainda não terminei o trabalho. Entra. Ele repetiu, mais firme, sem espaço para discussão. Segurou o braço dela com firmeza, mas cuidado, não é favor, é comida e descanso. Antes que você desmaie de vez aqui.
Dafne olhou para ele com aqueles olhos castanhos confusos, como se não conseguisse entender porque ele estava fazendo aquilo, como se não estivesse acostumada com bondade. Juliano também não entendia completamente, mas não ia deixar ela desmaiar ali. As meninas, Dafne disse de repente, virando a cabeça pro galpão com pânico nos olhos. Eu pego foi até o galpão com passos rápidos.
As duas bebês estavam acordadas, sentadinhas no cobertor, olhando ao redor com aqueles olhos azuis enormes. Quando viram Juliano, ficaram completamente quietas, apenas observando. Ele pegou as pontas do cobertor, juntou, improvisando uma rede com as duas dentro, e voltou para onde Dafne estava. Vamos. Entraram na casa. O silêncio pesado do lugar pareceu engolir todos os sons de fora.
Juliano indicou o sofá. Senta. Dafne obedeceu, pegando as filhas de volta e as acomodando no colo. Ela estava tensa, sentada na beirada, como se esperasse ser expulsa a qualquer momento. Juliano foi pra cozinha, abriu a geladeira, pegou pão, queijo, presunto, manteiga, montou três sanduíches grandes, bem recheados, colocou num prato, pegou suco, água, voltou e colocou tudo na mesinha de centro.
Dafne olhou pra comida como se fosse um tesouro. “Come”, Juliano disse. Ela balançou a cabeça imediatamente. “Elas primeiro, por favor, você vai desmaiar se não comer. Elas primeiro,” ela repetiu com firmeza surpreendente. “Por favor, eu imploro.” Juliano os dentes frustrado, mas viu que não ia ganhar aquela discussão. Voltou pra cozinha. Não tinha comida de bebê, mas tinha banana, biscoitos, leite. Amassou a banana num prato até virar pasta.
Adicionou leite, misturou, voltou com o prato e uma colher pequena. Dafne pegou na hora, deu a primeira colherada para uma das bebês. A menina comeu com vontade, fazendo um barulhinho satisfeito. A outra também. As duas devoraram tudo. Só então Dafne pegou o sanduíche, deu a primeira mordida, fechou os olhos. Uma lágrima desceu pelo rosto dela, mas ela limpou rapidamente.
Ela comeu devagar, mas comeu tudo. Bebeu a água toda, o suco também. Juliano ficou parado, observando, sem saber o que fazer com as mãos. Obrigada, Dafne disse quando terminou. Eu não sei como agradecer. Não precisa. Ele respondeu desconfortável. Silêncio caiu entre eles. Eu preciso ir, Dafne disse, mas a voz não tinha convicção.
Para onde? Ela não respondeu, apenas olhou para as filhas. Dafne, para onde você vai? Eu eu vou achar um lugar. Sempre acho. Não tem onde ficar. Não era pergunta. Ela baixou a cabeça. É temporário. Eu vou achar algo. Só preciso de mais alguns dias. Juliano passou a mão pelo rosto. Isso não era problema dele. Não deveria ser.
Mas olhou para as bebês tão pequenas, tão frágeis, loirinhas com aqueles olhos azuis enormes, e disse algo que surpreendeu até ele. Pode dormir aqui só hoje. Dafne ergueu a cabeça, os olhos arregalados. O quê? Só hoje? Ele repetiu, estabelecendo o limite. Amanhã você vai embora e procura outro lugar, mas hoje pode ficar. Eu eu não posso aceitar.
Já ofereci. Ele cortou. Aceita ou não? Ela olhou para ele, depois para as filhas, depois de volta para ele. “Obrigada”, ela sussurrou emocionada. De coração mesmo. Juliano apenas acenou, desconfortável com a gratidão. O quarto de hóspedes fica no segundo andar, ele disse, mantendo a voz prática. Primeira porta à direita.
Tem banheiro dentro, toalhas no armário. Eu não vou bagunçar nada. Dafne se apressou. Prometo. O senhor nem vai saber que a gente tá aqui. Tanto faz. Ele deu de ombros. Só usa o quarto. Dafne se levantou devagar, segurando as filhas. Ainda estava fraca, mas havia algo diferente no rosto dela agora. Esperança, alívio.
“Vou te mostrar onde fica,” Juliano disse. Subiu na frente. Dafne o seguiu parando de vez em quando para respirar. Quando chegaram no segundo andar, Juliano abriu a primeira porta à direita. Ele não entrava ali havia mais de um ano. Era um quarto simples, cama de casal, guarda-roupa, uma poltrona perto da janela, tudo limpo, mas sem vida, como o resto da casa.
Tem cobertores extras no armário, ele disse, e toalhas no banheiro, sabonete, shampoo, essas coisas. Obrigada, Dafne disse mais uma vez. Juliano se virou para sair. Por que o senhor tá fazendo isso? Ela perguntou de repente. Ele parou, não se virou, ficou de costas à mão na maçaneta. Por um longo momento, não disse nada. Foi não sei ele respondeu finalmente, honesto. Sinceramente não sei. E saiu fechando a porta.
Desceu a escada rápido, mas quando chegou no meio do caminho, parou. Ficou parado ali, completamente imóvel, a mão no corrimão, olhando pra porta fechada lá em cima. A casa estava em silêncio, como sempre, mas era um silêncio diferente. Não era vazio, era preenchido por presenças, por vidas, por respirações além da sua. Juliano sentiu algo estranho no peito.
Algo que ele não sentia havia tanto tempo que quase tinha esquecido. Não era desconforto, não era irritação, era outra coisa. algo quente, algo que pulsava, algo perigosamente parecido com esperança. Ele ficou parado ali por mais um minuto, apenas sentindo, apenas processando. Depois desceu e foi pro escritório.
Sentou na cadeira, ligou o computador, tentou trabalhar, não conseguiu digitar uma palavra, apenas ficou sentado, olhando pra janela, vendo a tarde virar noite. Uma mulher e duas bebês estavam dormindo na casa dele, na sua casa, que tinha sido só dele, vazia e silenciosa por tanto tempo. Deveria se sentir invadido, incomodado, arrependido, mas não estava sentindo nada disso e aquilo o assustava mais que tudo. Lá em cima, Dafne deitou as filhas na cama com cuidado extremo.
Elas estavam limpas, alimentadas, finalmente seguras e quentes. Ela se deitou ao lado delas e fechou os olhos. Pela primeira vez em semanas, dormiu sem medo, sem medo do que o amanhã traria, sem medo de ser acordada no meio da noite, sem medo do frio, da fome, do desamparo.
E na casa enorme e silenciosa, algo tinha mudado. Juliano não sabia ainda exatamente o que era, mas sentia profundamente. E aquele sentimento não ia embora tão cedo. Alguma coisa fundamental tinha se movido dentro dele. Algo que estava congelado, enterrado, esquecido por anos de isolamento voluntário. Agora estava acordando devagar, assustador, mas acordando.
Na manhã seguinte, Juliano acordou mais cedo que o normal. Ficou deitado por um momento, olhando pro teto, lembrando que não estava mais sozinho na casa. Havia três pessoas dormindo no andar de cima. três presenças que não deveriam estar ali, mas estavam. Levantou, vestiu-se e desceu paraa cozinha. Fez café como sempre fazia. Preparou torradas, ovos mexidos, mais comida do que ele normalmente preparava. Ficou esperando.
Meia hora depois, ouviu passos leves na escada. Dafne apareceu na porta da cozinha, segurando as duas bebês. O cabelo loiro estava solto agora, caindo nos ombros. Ela tinha lavado o rosto, parecia um pouco menos cansada, mas ainda havia aquelas olheiras fundas. “Bom dia”, ela disse baixinho, quase com medo de incomodar.
“Bom dia”, Juliano respondeu, indicando a mesa com a cabeça. “Senta. Fiz café da manhã.” Dafine hesitou. O senhor não precisava. Já tá feito. Senta. Ela obedeceu, acomodando as filhas no colo. Juliano serviu um prato para ela. Torradas, ovos, suco. E elas? Ele perguntou, olhando para as bebês. Eu ainda tenho um pouco do leite de ontem. Dafne disse: “Dá para elas”.
Juliano apenas acenou e se sentou do outro lado da mesa com sua própria xícara de café. Eles comeram em silêncio por alguns minutos. Um silêncio estranho, não desconfortável, mas carregado. Foi Dafne quem quebrou primeiro. Eu vou embora depois do café, ela disse, a voz baixa, mas firme. Como combinado, eu só queria agradecer de novo. O senhor me salvou ontem, salvou a gente.
Juliano tomou um gole do café, não respondeu. Vou procurar abrigos hoje. Ela continuou. Ou igrejas que ajudam. Sempre tem algum lugar. Eu vou dar um jeito. Ele colocou a xícara na mesa devagar. Há quanto tempo você tá assim? Dafne parou de comer. Olhou para ele surpresa com a pergunta. Assim como na rua, sem casa, sem lugar para ficar.
Ela baixou os olhos pro prato. Três semanas. Juliano não disse nada, apenas esperou. Dafne respirou fundo. Eu tinha um apartamento ela começou. A voz trêmula. Pequeno, simples, mas era nosso, meu e delas. Eu trabalhava numa cafeteria, não pagava muito, mas dava pro aluguel e comida.
Ela parou, ajeitando uma das bebês no colo. Quando descobri que estava grávida, o pai delas, a voz dela quebrou um pouco. Ele ficou feliz no começo, disse que ia ficar, que a gente ia ser uma família. Juliano viu quando ela engoliu seco. Mas quando descobrimos que eram gêmeas, Dafne balançou a cabeça. Ele entrou em pânico.
Disse que não estava pronto para um bebê, muito menos dois, que era responsabilidade demais, que ele era novo demais para isso. As mãos dela tremeram levemente. Ele foi embora no dia seguinte, deixou um bilhete, nem esperou elas nascerem. Juliano apertou os dedos ao redor da xícara, não disse nada. Eu consegui trabalhar até o sétimo mês. Dafne continuou. Depois ficou difícil. Meu chefe me dispensou.
Disse que eu não conseguia mais dar conta. Comecei a atrasar o aluguel. Tentei negociar, implorei por mais tempo, mas ela limpou uma lágrima que escapou. Quando elas nasceram, eu tinha apenas algumas economias. Consegui pagar mais um mês de aluguel. Depois acabou. Tudo acabou. Te despejaram?”, Juliano disse. “Não era pergunta”. “Sim”, ela sussurrou.
“Há três semanas colocaram nossas coisas na rua. Eu consegui pegar algumas roupas, o cobertor, a bolsa. O resto, o resto ficou lá. Perdido ou roubado, não sei. Juliano sentiu algo apertar no peito. Raiva não dela, do cara que tinha abandonado, do mundo que tinha deixado ela naquela situação. Desde então, a gente fica onde consegue, Dafne disse, a voz cansada.
Abrigos quando tem vaga, bancos de praça quando não tem. Igrejas às vezes deixam a gente dormir no salão. Eu tentei arrumar trabalho, mas ninguém quer contratar alguém com dois bebês. Dizem que não é prático, que eu vou faltar muito, que é arriscado. Ela olhou pras filhas com tanto amor que Juliano teve que desviar o olhar.
Eu tentei de tudo. Ela continuou. Pedi ajuda em todo lugar, mas a maioria dos abrigos tá lotado. As listas de espera são longas e com elas fica mais difícil. Ninguém quer três pessoas, querem uma, no máximo duas. Sua família? Juliano perguntou. Amigos? Dafne balançou a cabeça. Não tenho família. Cresci em orfanatos.
Saí quando fiz 18. Amigos. Ela riu sem humor. Sumiram todos quando viram a situação. Quando comecei a pedir ajuda demais, as pessoas cansam rápido de quem tá precisando. Juliano ficou em silêncio, apenas ouvindo, processando. Eu não quero caridade. Dafne disse de repente, a voz mais firme. Eu quero trabalhar. Quero me sustentar. Sustentar elas.
Eu só preciso de uma chance, de alguém que acredite que eu consigo. Ela olhou diretamente para ele. Eu consigo. Eu juro que consigo. Só preciso de um pouco de tempo. Um lugar para ficar até eu juntar pro aluguel de um quarto, um trabalho que me aceite com elas. Eu vou conseguir. Eu sempre consigo no final.
Mas a voz dela não soava tão convencida quanto as palavras. Juliano tomou o resto do café, colocou a xícara na mesa devagar, ficou em silêncio por um longo momento. Dafne esperou, tensa, segurando as filhas. “Fica”, ele disse finalmente. Ela piscou. “O quê?” “Fica aqui até você se reerguer. Eu não posso. O senhor já fez demais. A casa é grande.” Juliano cortou a voz firme. Tem espaço de sobra.
Você pode usar o quarto de hóspedes, cuidar das suas filhas, procurar trabalho sem se preocupar com onde vai dormir hoje. Dafne balançou a cabeça, as lágrimas descendo agora. Eu não posso aceitar isso. Seria abusar da bondade do Senhor. Não é bondade, ele disse. E havia algo diferente na voz dele agora. É justo. Você precisa de ajuda.
Eu tenho como ajudar. Simples assim. Mas eu não tenho como pagar. Não pedi pagamento. Então deixa eu trabalhar”, Dafne disse rapidamente. Deixa eu cuidar da casa, limpar, cozinhar, qualquer coisa. Não quero ser peso morto, não quero ser caridade. Juliano olhou para ela.
Pro orgulho ainda presente mesmo depois de tudo. Tá bem. Ele concordou. Você cuida da casa. Eu forneço moradia e comida até você conseguir se reerguer, juntar dinheiro, achar um lugar seu. Tá bom assim? Dafne olhou para ele com aqueles olhos castanhos cheios de lágrimas. Por que o senhor tá fazendo isso? Eu sou uma completa estranha.
Juliano não respondeu imediatamente. Não sabia explicar direito. Não sabia nem para si mesmo. Porque você não desistiu? Ele disse finalmente, você podia ter desistido, mas não desistiu. Tá lutando pelas suas filhas. Isso. A isso vale alguma coisa. Dafne cobriu o rosto com uma mão, tentando segurar o choro.
As bebês nos braços dela começaram a se mexer, sentindo a emoção da mãe. “Obrigada”, ela sussurrou entre os soluços. “Obrigada. Eu prometo que não vou decepcionar. Vou trabalhar duro. Vou cuidar bem da casa. E assim que eu conseguir, assim que eu juntar o suficiente, eu saio e deixo o Senhor em paz de novo. Não precisa pressa, Juliano disse, levantando da cadeira.
Fica o tempo que precisar. Semanas, meses, não importa. Dafine olhou para ele como se estivesse vendo um anjo. Como eu agradeço isso? Não precisa agradecer. Só cuida bem delas. Ele indicou as bebês. E de você mesma também. Ela acenou ainda chorando, mas agora era um choro diferente, de alívio, de esperança. Juliano saiu da cozinha antes que a emoção tomasse conta dele.
Também foi pro escritório e fechou a porta. sentou na cadeira e passou as mãos pelo rosto. O que ele tinha acabado de fazer ofereceu a casa para uma estranha por tempo indeterminado. Ele que vivia sozinho por escolha, que preferia o silêncio, que evitava se envolver, tinha acabado de se envolver completamente.
E a parte mais assustadora, ele não se arrependia, não mesmo. Pela primeira vez em anos, algo dentro dele parecia certo, como se aquela casa enorme finalmente tivesse encontrado um propósito, como se ele finalmente tivesse encontrado uma razão para acordar de manhã que não fosse apenas existir. Lá na cozinha, Dafne segurou as filhas com força, chorando baixinho.
Pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu algo que tinha esquecido como era esperança. esperança de que talvez, apenas talvez as coisas finalmente fossem melhorar. E tudo por causa de um homem que ela mal conhecia, mas que tinha feito mais por ela do que qualquer um em toda a sua vida.
Nos primeiros dias, Juliano mal via Dafne. Ela acordava cedo antes dele e quando ele descia pra cozinha, o café já estava pronto, a mesa limpa, o cheiro de algo fresco no ar. Ele nunca pediu isso, mas ela fazia mesmo assim. Dafne tinha um jeito silencioso de se mover pela casa como se tivesse medo de incomodar, de ocupar espaço demais.
Ela limpava enquanto ele trabalhava, organizava enquanto ele lia, cozinhava enquanto ele fingia não perceber. E as bebês, as bebês estavam sempre com ela. Juliano as via de relance, sentadinhas no cobertor da sala enquanto a mãe passava pano, deitadas numa manta improvisada na cozinha enquanto Dafne preparava o almoço. Sempre juntas, sempre quietas. Quietas demais, ele pensava às vezes.
No terceiro dia, Juliano saiu para resolver coisas no banco. Quando voltou, a casa estava diferente. Não visivelmente diferente, mas havia algo no ar. Um cheiro de limpeza, de cuidado. As janelas estavam abertas, deixando o sol entrar. As cortinas que ficavam sempre fechadas agora balançavam com a brisa.
A casa respirava. Ele não comentou nada. apenas subiu pro escritório e continuou o trabalho, mas notou. No quarto dia, Dafne começou a relaxar um pouco. Juliano desceu para almoçar e encontrou a mesa posta. Não era nada elaborado, macarrão simples, salada, mas estava quente, feito com cuidado. Espero que goste. Dafne disse, tímida, parada perto do fogão.
Não tinha certeza do que o senhor come, então fiz algo básico. Tá bom. Juliano disse sentando. Estava melhor que bom. Fazia tempo que ele não comia algo caseiro de verdade. Dafne comeu em pé perto da pia, de olho nas meninas que dormiam no carrinho improvisado que ela tinha feito com uma caixa e cobertores. “Sent”, Juliano disse de repente. Ela olhou para ele surpresa. “O quê?” Senta, come direito. Eu tô bem aqui.
Dafne, senta. Ela hesitou, mas obedeceu. Sentou na ponta da cadeira, ainda tensa, mas sentou. Eles comeram em silêncio. Foi o primeiro de muitos almoços assim. Na primeira semana, Juliano começou a anotar os sons. A casa sempre foi silenciosa. Ele gostava sim, ou achava que gostava. Agora havia outros sons.
O barulho da água correndo quando Dafne lavava a louça, o arrastar suave de móveis sendo limpos, o som baixo da máquina de lavar que ele nunca usava e as bebês. Elas estavam começando a fazer mais sons. Não choravam muito. Na verdade surpreendentemente pouco, mas faziam outros barulhos. Risadinhas baixas, gritinhos curiosos, sons de bebê explorando o mundo. Juliano trabalhava no escritório e ouvia. Ouvia sem querer.
Ouvia mesmo tentando não ouvir. Um dia, uma das gêmeas deu uma risada alta, clara, alegre. Ele parou de digitar, ficou ouvindo, esperando para ver se ela faria de novo. Fez uma risada gostosa de bebê, descobrindo algo engraçado. Juliano se pegou, sorrindo, balançou a cabeça e voltou ao trabalho. Mas o sorriso demorou para ir embora. Dafne tinha um jeito especial com a casa.
Ela não mudava nada drasticamente, não reorganizava tudo, apenas cuidava. trazia vida pro estava morto. As plantas que Juliano tinha esquecido na varanda, de repente estavam verdes de novo. A cozinha tinha um cheiro constante de comida de verdade. As janelas brilhavam e ela fazia tudo naturalmente, como se fosse o mais normal do mundo, como se aquela casa fosse dela também. Juliano observava de longe, sempre de longe.
Ele mantinha distância, não conversava muito, respondia quando perguntado, mas não puxava assunto. Comia o que ela preparava, mas não elogiava. Notava as mudanças, mas não comentava. Distante, como sempre foi. Mas algo estava mudando dentro dele, devagar, quase imperceptível. Uma tarde ele desceu para pegar água.
A casa estava estranhamente quieta. Dafne tinha saído. Ela tinha mencionado no café da manhã que ia até a farmácia comprar algumas coisas para as meninas. Disse que voltaria em uma hora. Juliano pegou a água, voltou pro escritório. Trabalhou por 10 minutos, 15, 20. O silêncio era opressivo. Não era o silêncio de paz que ele conhecia.
Era um silêncio vazio, morto. Ele se pegou, prestando atenção, esperando ouvir a porta se abrir. Os passos leves de Dafne, o barulhinho das bebês, nada. Juliano balançou a cabeça, irritado consigo mesmo, voltou ao trabalho, mas não conseguiu se concentrar.
Quando finalmente ouviu a porta da frente se abrir, algo dentro dele relaxou, algo que ele não sabia que estava tenso. As bebês começaram a fazer barulho, aqueles sons curiosos de sempre, e ele voltou a trabalhar de verdade dessa vez. À noite, Juliano começou a sair do escritório mais cedo, não muito, apenas uma hora antes do que normalmente fazia.
descia, pegava algo para beber, sentava na sala com um livro ou jornal e observava. Observava Dafne brincar com as filhas no tapete da sala. Observava as meninas tentando rolar, mexendo as perninhas, descobrindo as próprias mãos. Elas eram idênticas, completamente idênticas. Loirinhas, olhos azuis claros, bochechas começando a ficar mais cheias agora que comiam direito. “Como você diferencia elas?”, ele perguntou uma noite.
Dafne olhou para ele surpresa com a pergunta. Era a primeira vez que ele iniciava uma conversa. “Essa aqui?”, ela apontou para uma delas. “É a Lívia. Ela tem uma pintinha bem pequenininha atrás da orelha esquerda. E essa é a Rosa. Ela é um pouquinho mais magrinha que a irmã. Juliano olhou. Realmente havia uma diferença sutil.
E a personalidade? Ele perguntou sem saber porque estava perguntando. Dafne sorriu. Um sorriso verdadeiro. O primeiro que ele via. Lívia é a curiosa. Quer tocar em tudo. Rosa é mais cautelosa. Observa primeiro. Age depois. Ele apenas acenou. voltou ao jornal, mas tinha gravado os nomes Lívia e Rosa.
Os dias foram passando e viraram semanas. A casa tinha uma rotina agora, uma rotina que Juliano nunca tinha tido morando sozinho. Café da manhã às 7, almoço ao meio-dia, jantar às 7 da noite. A roupa de cama era trocada toda semana, as toalhas também. A casa sempre cheirava a limpo e havia sempre sons, sons de vida.
Juliano começou a acordar com o cheiro de café pronto, começou a esperar pelos almoços, começou a descer mais vezes durante o dia, sempre com alguma desculpa. Água, café, um documento que esqueceu na cozinha. Mas a verdade ele queria ouvir os sons, as risadas das bebês, a voz suave de Dafne cantando baixinho para elas, o barulho de vida acontecendo na casa que sempre foi tão morta.
Uma noite ele desceu tarde, passava da meia-noite, não conseguia dormir. A casa estava em silêncio. Dafine e as meninas já dormiam há horas. Juliano sentou no sofá da sala, no escuro, apenas sentado, e percebeu algo que o assustou. Ele sentia falta, falta dos sons, falta da presença delas, falta da vida que elas tinham trazido.
A casa não era mais só uma casa, era um lar. Pela primeira vez em anos, era um lar. E ele não sabia o que fazer com esse sentimento. Não sabia como lidar com o fato de que não queria mais o silêncio, não queria mais a solidão, não queria mais viver como vivia antes. Dafne e as bebês tinham mudado algo fundamental, sem pedir, sem forçar, apenas existindo ali.
Juliano subiu de volta pro quarto, deitou, olhou pro teto e, pela primeira vez em muito tempo, dormiu com um sentimento estranho no peito. Não era desconforto, não era medo, era algo parecido com contentamento, como se finalmente algo que sempre esteve errado tivesse se encaixado no lugar certo. Ele não admitia isso, não em voz alta, talvez nem para si mesmo, mas sentia. E no fundo, lá no fundo, começava a se perguntar como seria quando elas fossem embora, quando Dafne finalmente juntasse dinheiro, encontrasse um lugar, saísse da vida dele como tinha entrado.
E pela primeira vez, Juliano percebeu que não queria que elas fossem embora. Não ainda. Talvez nunca. Juliano estava no banco quando viu a loja de brinquedos. tinha passado por ela mil vezes, nunca tinha entrado, nunca teve motivo, mas hoje parou.
Ficou parado na calçada, olhando a vitrine, bichos de pelúcia, bonecas, carrinhos, blocos coloridos, coisas de criança. Pensou em Lívia e Rosa. Elas não tinham nada, nenhum brinquedo, nada colorido, nada que fosse só delas. Dafne tentava entreter as filhas com o que tinha. panelas da cozinha, colheres de pau, um pedaço de pano que ela amarrava em formatos diferentes.
As meninas pareciam felizes, mas não era suficiente. Juliano olhou pro relógio, tinha tempo antes do almoço. Entrou na loja. O lugar era uma explosão de cores, prateleiras cheias de brinquedos de todos os tipos. Uma vendedora se aproximou com um sorriso. Boa tarde. Posso ajudar? Eu, Juliano parou. Não sabia o que procurava. É para bebês gêmeas.
Se meses o sorriso da mulher ficou mais caloroso. Que lindo. Avô de primeira viagem? Não, eu Ele não sabia como explicar. são estão morando comigo. A vendedora não pareceu achar estranho. Entendo. Bom, para essa idade temos várias opções. Mordedores, chocalhos, bichinhos de pano. Ela foi mostrando.
Juliano olhava sem saber direito o que escolher. Parou diante de dois ursinhos de pelúcia macios. Um era rosa claro, o outro azul claro. Tinham olhinhos bordados e um sorriso doce. Esses, ele disse, ótima escolha. São bem macios, seguros para bebês. Podem levar a boca sem problema. Vou levar só esses.
Juliano olhou ao redor, viu uns chocalhinhos coloridos, blocos de pano macios. Esses também, apontou. A vendedora empacotou tudo numa sacola grande com desenhos infantis. Juliano pagou e saiu. Andou até o carro com a sacola na mão, sentindo-se estranhamente desconfortável. O que ele estava fazendo? Comprar brinquedos para bebês que não eram dele, para uma família que não era dele.
Mas enquanto dirigia de volta para casa, não conseguia parar de pensar nas carinhas de Lívia e Rosa quando vissem os ursinhos. Chegou em casa na hora do almoço, escondeu a sacola no porta-malas antes de entrar. Chegou na hora Dafne disse da cozinha. Já ia servir. Eles almoçaram como sempre em silêncio. Na maior parte.
Dafne comentou algo sobre o tempo. Juliano respondeu com monossílabus. As bebês estavam no colchão improvisado que Dafne tinha feito no canto da sala. Um colchão velho que ela tinha encontrado no sótam, coberto com lençóis limpos. Era o espaço delas, onde ficavam durante o dia. Depois do almoço, Dafne disse que ia dar banho nas meninas. Aproveito que tá sol, seca o cabelo mais rápido. Juliano apenas acenou.
Quando ela subiu com as duas, ele foi rápido até o carro, pegou a sacola, subiu direto pro quarto dela, parou na porta, hesitou, estava invadindo o espaço dela, não deveria, mas ouviu a água do chuveiro correndo. Dafne ia demorar. Entrou rápido. O quarto estava simples, mas organizado. A cama feita, as roupas dobradas numa pilha no canto.
Poucas coisas. Elas tinham chegado sem nada. No chão, perto da cama, o colchão das bebês, fino, com um lençol limpo e dois cobertorzinhos pequenos que Dafne devia ter feito de algo maior. Juliano tirou os brinquedos da sacola, os dois ursinhos, os chocalhos, os blocos de pano.
Colocou tudo ali no colchão, arrumou rapidinho, os ursinhos sentados, um de cada lado, os outros brinquedos entre eles. Pareceu certo. saiu rápido do quarto, desceu, foi pro escritório, fechou a porta, sentou, ligou o computador, mas não conseguiu trabalhar. Ficou apenas esperando. 15 minutos depois, ouviu passos no andar de cima, a voz de Dafne conversando baixinho com as bebês. Depois, silêncio. Juliano prendeu a respiração, mais silêncio.
Então ouviu bem baixinho um barulhinho abafado, como se alguém tivesse tampado a boca. Dafne estava chorando. Ele se levantou, foi até a escada, subiu devagar, parou no corredor. A porta do quarto dela estava entreaberta. Dafne estava sentada no chão, ao lado do colchão das bebês, Lívia no colo, Rosa ao lado, e ela segurava um dos ursinhos apertado contra o peito, chorando em silêncio.
As lágrimas desciam pelo rosto dela, mas ela sorria, um sorriso enorme, verdadeiro, enquanto chorava. Olha, minhas princesas”, ela sussurrou paraas filhas. “Olha o que apareceu aqui. Ursinhos para vocês.” Ela colocou o ursinho rosa na frente de Rosa. A bebê agarrou com as mãozinhas, levou a boca. “Ese aqui é seu, Lívia?” Dafne deu o azul paraa outra. Lívia apertou o bichinho fazendo um barulhinho feliz.
Dafne limpou as lágrimas com as costas da mão, pegou os chocalhos, balançou. As bebês olharam. Fascinadas com o som. “Que sorte a nossa”, ela murmurou mais para si mesma que para as filhas. “Que sorte encontrar esse homem!” Juliano sentiu algo apertar no peito. Dafne não disse nada em voz alta, não gritou seu nome, não desceu para agradecer.
Ela sabia que tinha sido ele. Claro que sabia, mas respeitou o jeito dele. Respeitou o fato de que ele tinha deixado os brinquedos escondidos sem fazer alarde. Ele voltou pro escritório antes que ela percebesse que estava ali. Sentou, ficou olhando pra janela e sorriu. Um sorriso pequeno, quase imperceptível, mas estava ali.
No fim da tarde, ele desceu para pegar água. Dafne estava na sala. As bebês no colchão delas, brincando com os ursinhos. Lívia mordia a orelha do dela. Rosa apertava o outro contra o peito. Dafine olhou para Juliano quando ele passou, não disse nada, mas sorriu. Um sorriso que dizia tudo. Obrigada. Você é bom. Isso significa tudo.
Juliano acenou de leve, foi até a cozinha, pegou a água, quando voltou, parou por um segundo, apenas observando. Dafine estava deitada de lado no chão, ao lado das filhas. Balançava o chocalho. Rosa ria. Aquela risada gostosa de bebê. Lívia tentava pegar o chocalho da mãe. A luz da tarde entrava pela janela dourada, suave. E pela primeira vez, Juliano olhou para aquela sala e viu uma família, não a dele, mas uma família mesmo assim.
E a casa, a casa não parecia mais aquele espaço vazio e frio que ele tinha habitado por anos. Parecia viva. As paredes pareciam mais claras. Os móveis tinham propósito. O ar tinha cheiro de vida, de cuidado, de presença. A casa respirava. Respirava com as risadas das bebês, com os passos leves de Dafne, com os sons de uma rotina que tinha significado. Juliano subiu de volta pro escritório.
Trabalhou até tarde, mas toda vez que parava para pensar, lembrava. Lembrava do sorriso de Dafne, das lágrimas nos olhos dela, da forma como ela apertou aquele ursinho contra o peito, como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. Não eram brinquedos caros, foram os mais simples da loja, mas para ela significaram tudo.
E para ele, para ele significou algo que ele não esperava. Significou que ele tinha feito alguém feliz, alguém além dele mesmo. E isso importava. importava mais do que ele imaginava. Naquela noite, quando foi dormir, a casa estava em silêncio. Mas não era o silêncio morto de antes. Era o silêncio de uma casa dormindo, de pessoas descansando, de vida pausada, esperando para recomeçar amanhã.
Juliano deitou, fechou os olhos e dormiu melhor do que tinha dormido em anos. Porque pela primeira vez sua casa não era apenas um lugar onde ele existia. Era um lugar onde coisas aconteciam, onde risadas ecoavam, onde lágrimas de gratidão caíam, onde ursinhos simples podiam significar o mundo inteiro e onde, sem que ele percebesse completamente ainda, seu coração congelado começava devagar, a descongelar, um brinquedo de cada vez, um sorriso de cada vez, um dia de cada vez. A casa respirava e ele também. A manhã estava mais fria que o normal.
Juliano desceu paraa cozinha como sempre fazia. O café já estava pronto, como sempre estava. O cheiro preenchia o ambiente. Dafne estava na pia lavando algo. As bebês no colchão da sala, visíveis dali, brincando com os ursinhos que agora não largavam mais. Bom dia”, ela disse quando o viu. “Bom dia.
” Ele serviu o café, sentou na cadeira de sempre, pegou o jornal que estava na mesa. Dafne secou as mãos e se virou, apoiando-se no balcão. Não se sentou, ficou ali observando. Juliano sentiu o olhar dela, mas não levantou os olhos do jornal. “Posso perguntar uma coisa?”, Ela disse depois de um momento. Pode. Ele continuou olhando pro jornal, mas não estava lendo. Estava esperando.
Você sempre viveu sozinho? A pergunta era simples, direta, mas carregava peso. Juliano colocou o jornal na mesa devagar, pegou a xícara de café, tomou um gole antes de responder. Sim. Dafne esperou. Quando viu que ele não ia elaborar, continuou. Sempre mesmo. Nunca morou com ninguém. Morei”, ele respondeu a voz neutra.
“Algumas vezes nunca deu certo.” “Por quê?” Juliano olhou para ela pela primeira vez. Dafne estava séria. Não era curiosidade fútil, era algo mais. “Porque eu não sou fácil”, ele disse simplesmente, “As pessoas cansam, vão embora. É sempre assim.” “E você?”, ela perguntou baixinho. “Você cansa delas também?” Ele não respondeu imediatamente.
Pensou, realmente pensou. Acho que sim, admitiu finalmente. Acho que eu deixo elas irem embora. Não luto para que fiquem. Dafne acenou devagar, como se estivesse processando. E agora? Ela perguntou. Gosta de viver sozinho? Sim. Ele respondeu rápido demais. Gosto da solidão. Me acostumei. As palavras saíram automáticas.
Era o que ele sempre dizia para si mesmo, pros outros, a resposta pronta. Mas Dafne não desviou o olhar. Às vezes a gente se acostuma com a solidão, ela disse suavemente. Não porque gosta, mas porque é mais fácil que arriscar de novo. Juliano ficou completamente imóvel. As palavras dela pairaram no ar, pesadas, verdadeiras.
Ele abriu a boca para responder, para contestar. para dizer que não era assim, mas fechou de novo, porque ela tinha razão. Ele não gostava da solidão, nunca gostou. Ele apenas se acostumou porque era seguro, porque não doía, porque ninguém podia ir embora se ninguém ficasse perto o suficiente. Dafne viu algo mudar no rosto dele, não disse mais nada, apenas se virou e voltou pro que estava fazendo.
O silêncio que caiu entre eles não era desconfortável, era carregado, cheio de coisas não ditas. Juliano voltou pro jornal, mas as palavras não faziam sentido. Ele lia e relia a mesma linha sem absorver nada. Às vezes a gente se acostuma com a solidão. Ela tinha plantado algo, uma dúvida, uma rachadura na certeza que ele tinha construído ao longo dos anos.
Ele terminou o café em silêncio, levantou para ir pro escritório, parou na porta da cozinha, virou-se. Dafne estava de costas preparando algo no fogão. As bebês faziam barulhinhos na sala. “Ele está por perto?”, Juliano perguntou de repente. Dafne parou o que estava fazendo, não se virou imediatamente. “Quem?” Ela perguntou, mas a voz dela deixou claro que sabia exatamente de quem ele estava falando. O pai delas. Silêncio.
Dafne colocou a colher de pau na pia devagar, apoiou as mãos na beirada do balcão, ficou assim por um momento, depois se virou. “Não”, ela disse simplesmente, “Não tá.” Juliano esperou, não pressionou, apenas esperou. Dafne cruzou os braços. Não defensivamente, mas como se estivesse se protegendo de algo.
Ele foi embora quando soube que seriam duas. Ela disse, a voz baixa, mas firme. Disse que não estava preparado, que era demais, que não podia lidar com dois bebês ao mesmo tempo. Ela olhou para as filhas na sala, Lívia e Rosa, completamente alheias à conversa, brincando felizes. Ele tinha prometido ficar. Dafne continuou.
Quando descobrimos a gravidez, ele jurou que ia ficar, que ia ser pai, que a gente ia ser uma família. Sua voz ficou mais baixa, mas quando o médico disse que eram gêmeas, ela balançou a cabeça. Vi no rosto dele o pânico, o arrependimento. E alguns dias depois ele foi embora. Deixou um bilhete. Nem teve coragem de falar pessoalmente. Juliano sentiu raiva, uma raiva surdas, profunda, de alguém que ele nem conhecia.
Sinto muito”, ele disse. E era verdade. Dafne deu um sorriso triste. “Eu também, não por mim, já superei, mas por elas.” Ela olhou para as filhas de novo. Elas merecem um pai, merecem alguém que fique, que não fuja quando as coisas ficam difíceis. Ela olhou diretamente para Juliano. “Eu só queria alguém que ficasse”, ela disse.
E havia tanta verdade e tanta vulnerabilidade naquelas palavras que Juliano teve que desviar o olhar. Era só isso. Não pedia perfeição, não pedia riqueza, só presença, alguém que não fosse embora. Juliano ficou em silêncio, não sabia o que dizer. Porque aquelas palavras, aquelas palavras mexeram com algo profundo dentro dele. Presença era algo tão simples, tão básico.
E ainda assim era exatamente o que ele nunca tinha oferecido a ninguém. Ele sempre esteve presente fisicamente, mas nunca realmente presente. Sempre com um pé fora, sempre pronto para se afastar, sempre mantendo distância. As mulheres que passaram pela vida dele não foram embora à toa. Elas foram embora porque ele nunca ficou, nunca de verdade. Ele estava ali, mas não estava ali.
E agora, olhando para Dafne, ouvindo o que ela dizia, entendeu? Ela não precisava de grandes gestos, não precisava de promessas elaboradas, ela só precisava de alguém que simplesmente ficasse, que estivesse presente, real, completo. E ele, ele nunca tinha sido isso para ninguém. “Desculpa,” Dafne disse de repente. “Não queria despejar isso em você. Você já fez tanto pela gente.
Não precisa ouvir meus problemas também.” “Não é problema.” Juliano disse, a voz saindo mais baixa que o normal. Você pode falar, não me incomoda e era verdade, não incomodava. Na verdade, ele queria ouvir, queria entender. Dafne sorriu, um sorriso pequeno, mas genuíno. Obrigada por ouvir, por por tudo.
Juliano apenas acenou, subiu pro escritório, fechou a porta, sentou na cadeira, mas não ligou o computador. Ficou apenas sentado ali, olhando pra janela, pensando presença. A palavra ecoava na mente dele. Ele tinha tudo. uma casa enorme, dinheiro, estabilidade, mas nunca tinha oferecido a coisa mais simples, a coisa mais importante.
Ele mesmo sempre manteve distância, sempre se protegeu, sempre teve medo de se entregar completamente, porque sabia, no fundo, sabia que as pessoas iam embora. Então, ele ia embora primeiro, emocionalmente, pelo menos ficava, mas não ficava. estava presente, mas não estava. E eventualmente cansadas de tentar alcançá-lo, as pessoas realmente iam embora e ele ficava sozinho de novo, provando para si mesmo que estava certo, que era melhor assim, que solidão era mais segura, mas era.
Ele olhou ao redor do escritório, as paredes vazias, a mesa organizada, tudo no lugar, tudo controlado, tudo morto. E lá embaixo, na casa que ele tinha negligenciado por tanto tempo, havia vida agora, risadas, sons, movimento, dafne. E as bebês tinham trazido algo que ele não sabia que estava faltando. Não apenas vida, propósito, um motivo para acordar, um motivo para descer da torre de marfim que ele tinha construído, um motivo para estar presente.
E a parte mais assustadora, ele queria isso. Queria descer e ver as bebês brincando. Queria ouvir Dafne cantando baixinho enquanto cozinhava. Queria sentar na mesa e comer algo feito com cuidado em vez de requentar sobra sozinho. Queria parar de viver metade de uma vida, queria estar presente, mas tinha medo.
Medo de se abrir, medo de se entregar, medo de que se deixasse, se realmente deixasse essas pessoas entrarem, elas também fossem embora. Como todas foram, ele passou a mão pelo rosto, cansado. O que Dafne tinha dito, mexeu com ele de uma forma que não esperava. Ela não acusou, não julgou, apenas mostrou. Mostrou que existia outra forma de viver, outra forma de se relacionar com presença, com entrega, com permanência.
Ele ficou ali sentado por muito tempo, apenas pensando, processando. Lá embaixo ouviu Rosa chorar. Não um choro de dor, apenas de fome ou sono. Ouviu Dafne acalmando a voz suave dela, as palavras de conforto, e pensou: “Isso é presença. Não fugir quando fica difícil, não se afastar quando fica desconfortável, apenas ficar, estar ali completamente sem reservas.
Era tão simples e tão aterrorizante, porque presença significava vulnerabilidade, significava risco, significava que se você se entregasse completamente, a perda seria completa também. Mas não se entregar. Não se entregar significava continuar vivendo como ele vivia, sozinho, seguro, vazio.
E pela primeira vez ele se perguntou: “Vale a pena? A segurança vale a solidão? A proteção vale a vida pela metade?” Ele não sabia a resposta, mas pela primeira vez em muito tempo estava disposto a pensar sobre isso, disposto a questionar as verdades que tinha construído para se proteger, disposto a considerar que talvez, apenas talvez, ele estivesse errado sobre tudo. À tarde, ele desceu para pegar água.
Dafne estava na sala com as meninas. Lívia tentava rolar. Rosa observa a irmã curiosa. Dafne olhou para Juliano quando ele passou. “Tá tudo bem?”, ela perguntou. “Sim, por quê? Você tá quieto mais que o normal?” Juliano quase sorriu só pensando sobre o quê? Ele parou, olhou para ela. “Realmente olhou? Jobbre ficar”, ele disse simplesmente. Dafne inclinou a cabeça confusa.
“Ficar? Você disse que só queria alguém que ficasse”, ele explicou. “Tô pensando sobre isso, sobre o que significa realmente ficar.” Entendimento apareceu no rosto dela. Ela não disse nada por um momento, depois sorriu. Um sorriso suave, compreensivo. “É mais difícil do que parece”, ela disse baixinho.
“Ficar, estar presente, principalmente quando você passou tanto tempo se protegendo.” É, Juliano concordou. É muito mais difícil. Eles ficaram assim, apenas se olhando, um entendimento silencioso passando entre eles, duas pessoas feridas, duas pessoas que tinham aprendido a se proteger, a manter distância, mas aqui nesta casa, algo estava mudando, devagar, quase imperceptível, mas mudando.
Juliano subiu de volta pro escritório, mas algo tinha se movido dentro dele, algo fundamental. Dafne tinha plantado uma semente e ele não sabia ainda o que ia crescer dela, mas pela primeira vez em muito tempo estava disposto a descobrir, disposto a tentar, disposto a arriscar, porque talvez, apenas talvez, presença valesse o risco e talvez pela primeira vez na vida, ele estivesse pronto para oferecer exatamente isso.
Não promessas vazias, não gestos grandiosos, apenas presença, ficar, estar ali completamente, era tudo que ela tinha pedido. E talvez ele percebeu, fosse tudo que qualquer um realmente precisava. A tarde passou em silêncio, mas era um silêncio diferente, carregado de possibilidades, de mudanças, de esperança.
A casa respirava e ele também. Finalmente, a noite tinha caído há algumas horas. Juliano estava no escritório, mas não conseguia trabalhar. Não conseguia se concentrar em nada desde a conversa da manhã com Dafne, sobre ficar, sobre presença, sobre o que ele nunca tinha oferecido a ninguém. As palavras ecoavam na mente dele, insistentes, incômodas.
fechou o computador, desceu. A casa estava quieta. Dafne devia ter colocado as meninas para dormir. Provavelmente estava no quarto dela também, mas quando passou pela sala, viu uma luz fraca. Ela estava lá, sentada no sofá com uma xícara de algo quente nas mãos, olhando pra janela. “Desculpa, Juliano disse. Não sabia que você tava aqui.
Tudo bem?” Dafne respondeu virando a cabeça. Não consigo dormir às vezes. Fico pensando demais. Ele ficou parado ali, sem saber se devia ir embora ou ficar. Quer sentar? Ela ofereceu, indicando o outro lado do sofá. Ou prefere ficar sozinho? Juliano hesitou, mas algo dentro dele, algo que tinha acordado depois daquela conversa pela manhã, o fez ficar. Posso sentar? Sentou do outro lado do sofá.
longe, mantendo distância como sempre fazia. Ficaram em silêncio por um tempo. Não era desconfortável, era apenas silêncio. Você tá diferente hoje, Dafne disse finalmente. Desde a conversa de manhã, Juliano não negou. Você mexeu com algo, ele admitiu. Algo que eu não queria pensar.
Desculpa, não era minha intenção. Não. Ele interrompeu. Não precisa se desculpar. Você, você tava certa. Dafne esperou, não pressionou, apenas esperou. Juliano olhou para as próprias mãos, grandes, fortes, vazias. Você perguntou se eu sempre vivi sozinho. Ele começou a voz baixa. A verdade é que sim. Não sempre fisicamente, mas sempre emocionalmente. Dafne não disse nada, apenas ouviu.
Eu tive relacionamentos. Juliano continuou. Alguns duraram meses, um durou quase dois anos, mas todos terminaram do mesmo jeito. Ele fez uma pausa, elas foram embora, todas, uma por uma. Por quê? Dafne perguntou suavemente. Juliano deu uma risada amarga, sem humor, porque eu não tinha coração.
Pelo menos era o que diziam. Dafne franziu a testa. O quê? Isso mesmo. Ele olhou para ela. Você não tem coração, Juliano. Você é frio. É como amar uma parede. Você não sente nada. Todas diziam a mesma coisa, com palavras diferentes, mas a mensagem era sempre a mesma. Sua voz ficou mais baixa. Que eu era incapaz de amar, incapaz de sentir que tinha algo quebrado dentro de mim. E você acreditou? Dafne perguntou.
Claro que acreditei. Juliano respondeu: “Quando todo mundo diz a mesma coisa, você começa a achar que é verdade, que o problema é você, que você nasceu sem a capacidade de se conectar com as pessoas.” Ele passou a mão pelo rosto. Então, parei de tentar, parei de me relacionar, parei de deixar pessoas entrarem.
Se eu não tinha coração, não adiantava fingir que tinha. Era mais honesto viver sozinho. Era melhor para todo mundo. Dafne colocou a xícara na mesinha, se virou para ele completamente. Posso dizer uma coisa? Pode. Ela o olhou diretamente nos olhos. Elas estavam erradas. Juliano balançou a cabeça. Não, elas não estavam. Eu sou frio. Eu sou distante. Eu Você tem coração. Dafne interrompeu a voz firme.
Sim. Tem não. Eu, Juliano, ela disse o nome dele pela primeira vez. Até agora sempre tinha chamado de senhor. Se você não tivesse coração, não teria aberto aquele portão. Ele ficou quieto. Você podia ter me mandado embora. Dafne continuou. Podia ter fechado a porta na minha cara. Podia ter fingido que não estava em casa, mas não fez isso.
Eu só Você abriu o portão? Ela insistiu, deixou eu trabalhar, me deu comida, segurou meu braço quando eu ia desmaiar, trouxe as meninas para dentro, fez comida para elas, ofereceu um quarto e depois ofereceu um lar. Juliano desviou o olhar. Qualquer pessoa teria feito isso. Não, Dafine disse com convicção. Não teriam. Eu bati em seis portas antes da sua. Seis. Todas me mandaram embora.
Algumas nem abriram. Outras olharam para mim como se eu fosse lixo. Ela se inclinou pra frente. Você foi o único que parou, o único que olhou, o único que viu a gente como pessoas mors, não como um problema. Eu não fiz nada demais. Comprou ursinhos. Dafne disse suavemente. Para duas bebês que não são suas.
Deixou escondido no quarto, sem esperar agradecimento, sem fazer alarde. Juliano sentiu algo apertar no peito. Isso não prova nada, prova tudo. Dafne respondeu. Pessoas sem coração não fazem isso. Pessoas frias não compram brinquedos para crianças. Pessoas vazias não oferecem abrigo para estranhos. Ela pausou. Você tem coração, Juliano. Sempre teve.
Então, por que elas foram embora? Dafne completou. Ela pensou por um momento. Acho que seu coração não estava quebrado, tava quieto. Juliano olhou para ela confuso. Quieto. Sim, ela explicou. Quieto, escondido, protegido. Você construiu muros tão altos que ninguém conseguia alcançar.
Não porque não existisse nada lá dentro, mas porque você tinha tanto medo de ser machucado que decidiu não sentir. As palavras dela foram como um soco no estômago, porque eram verdade, completa e absolutamente verdade. Mas sabe o que eu acho? Dafne continuou, um sorriso pequeno aparecendo. Acho que ele tá acordando. O quê? Seu coração, ela disse simplesmente, ele tá mudando, tá saindo do esconderijo.
Devagar, com medo, mas tá saindo. Juliano ficou sem palavras. Eu vejo, Dafne disse. Vejo quando você passa pela sala e para para olhar as meninas. Vejo quando você sorri sem perceber ao ouvir elas rindo. Vejo quando você desce mais vezes que o necessário, só para estar perto. Ela se aproximou um pouco. Seu coração estava quieto, Juliano, mas agora ele tá fazendo barulho. Tá batendo.
Tá sentindo. Eu não sei se isso é bom, ele admitiu. A voz rouca. Sentir dói. Dói. Dafne concordou. Mas também é bom. É vivo. É real. Juliano olhou para ela, realmente olhou, viu a mulher que tinha aparecido no portão dele há semanas, desesperada, quebrada, lutando. Agora ela estava ali mais forte, mais firme, ainda lutando, mas não sozinha.
“Como você faz isso?”, ele perguntou. Depois de tudo que passou, de tudo que ele fez, como você ainda acredita em coisas boas? Dafne deu um sorriso triste. Porque eu tenho que acreditar pelas minhas filhas. Elas merecem crescer num mundo onde ainda existem pessoas boas, pessoas que ficam, pessoas com coração.
Ela tocou o braço dele levemente, um toque breve, rápido, mas significativo. E você me mostrou que essas pessoas existem. Juliano sentiu algo quebrar dentro dele, não de uma forma ruim, mas como quando algo congelado finalmente começa a derreter. “Eu não sei se consigo”, ele disse honestamente. “Não sei se consigo ser diferente, ser mais aberto, arriscar de novo.
” “Não precisa saber”, Dafne respondeu. “Só precisa tentar. Um dia de cada vez, um passo de cada vez. Ela se levantou. É tarde. Vou dormir. Mas obrigada por conversar, por se abrir. Sei que não é fácil para você, Dafine, ele chamou quando ela ia sair. Ela parou, virou. Obrigado ele disse, por me ver, por ver algo que eu não via.
Ela sorriu. Um sorriso verdadeiro, caloroso. Você sempre esteve aí, Juliano. Só precisava de alguém que olhasse direito e saiu. Juliano ficou ali sentado por muito tempo, sozinho na sala escura, mas não se sentiu sozinho. Sentiu esperançoso. Pela primeira vez em anos, sentiu que talvez, apenas talvez, aquelas mulheres estivessem erradas. Ele tinha coração, só estava quieto.
Mas agora, agora ele estava acordando. E mesmo sendo assustador, mesmo sendo arriscado, mesmo sendo doloroso, era melhor que estar morto, era melhor que viver pela metade, era melhor que solidão. Juliano levantou, subiu pro quarto, deitou e, pela primeira vez em muito tempo, dormiu com algo além de vazio no peito. Dormiu com esperança, esperança de que ainda dava tempo.
Tempo de mudar, tempo de sentir, tempo de viver de verdade. Seu coração tinha estado quieto, mas agora ele estava fazendo barulho. E Juliano finalmente estava pronto para ouvir. Tudo mudou numa tarde de sábado. Juliano estava no escritório quando ouviu um barulho estranho, um riso não de Dafne, das bebês. Desceu para ver.
Daffne estava na sala, sentada no chão, Lívia e Rosa na frente dela. E ela estava brincando, fazendo caretas. As meninas riam, aquelas risadas gostosas de bebê. Desculpa se tá alto demais”, Dafne disse quando viu Juliano na porta. “Não tá”, ele respondeu. Ficou ali parado, apenas observando. Dafne fazia bu e se escondia atrás das mãos.
As bebês riam toda vez, como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. “Quer tentar?”, Dafne ofereceu de repente. Juliano piscou. “O quê?” “Brincar com elas? Elas adoram. Eu não, eu não sei brincar com bebês. Ninguém sabe. Dafne sorriu. A gente inventa. Vem, senta aqui. Juliano hesitou, mas algo no olhar dela o fez sentar.
Ficou no chão, de pernas cruzadas, desajeitado. As duas bebês olharam para ele, curiosas. Só faz uma careta Dafne incentivou. Qualquer uma. Juliano se sentiu ridículo, mas tentou. abriu os olhos bem grandes, fez uma boca engraçada. Rosa riu, um riso alto, genuíno, e algo dentro dele derreteu. “Faz de novo, Dafne” disse, sorrindo. Ele fez. E Rosa riu de novo.
Lívia também dessa vez. Juliano não conseguiu evitar. Sorriu. Um sorriso verdadeiro, grande, e as meninas riram mais ainda. “Viu”. Dafne disse suavemente: “Você sabe brincar?” A partir daquele dia, algo mudou. Juliano começou a descer mais, não só para pegar água ou café, mas para estar ali com elas.
Sentava no chão da sala enquanto trabalhava no laptop. As bebês por perto, na brincando, Dafne não comentava, apenas sorria e continuava o que estava fazendo. E Juliano observava, observava tudo. Foi ele quem viu quando Lívia rolou pela primeira vez. Estava no sofá fingindo ler, mas de olho nelas.
Lívia estava de barriga para cima, de repente se mexeu uma vez, duas, e rolou completamente, ficando de bruços. Ela mesma apareceu surpresa. Dafne Juliano chamou, a voz carregando uma empolgação que ele não esperava. Vem ver. Dafne veio correndo da cozinha. O que foi? Ela rolou. Ele apontou para Lívia. Tás sozinha? Acabou de rolar. Dafne arregalou os olhos.
Sério, Lívia? Você rolou? Ela se abaixou, pegou a bebê, cobriu de beijos. Minha menina esperta tá crescendo tanto. Juliano observou a cena. O amor de Dafne pelas filhas, a forma como ela comemorava cada pequena conquista e percebeu que ele também estava empolgado. Genuinamente empolgado porque uma bebê tinha rolado.
Rosa rolou dois dias depois e Juliano estava lá para ver também. Então veio o engatinhar. Juliano estava no chão da sala com o laptop, as meninas por perto. Rosa estava de bruços, olhando pro ursinho dela, que estava a alguns centímetros de distância. Ela se mexeu, tentou alcançar, não conseguiu, tentou de novo. Empurrou com as perninhas, puxou com os bracinhos e se moveu. Apenas alguns centímetros, mas se moveu.
Dafne, Juliano chamou. sem tirar os olhos de Rosa, ela veio, viu o que estava acontecendo. “Vai, Rosa!”, ela sussurrou. “Você consegue.” Rosa tentou de novo e de novo. E finalmente, depois de muito esforço, alcançou o ursinho. Pegou, levou a boca e olhou para eles como se dissesse: “Viram? Eu consegui.
” Dafne bateu palmas. Juliano sorriu. “Ela é determinada.” Ele comentou. É, Dafne concordou igual à irmã, igual à mãe. Lívia engatinhou uma semana depois, mais rápida que Rosa, mais curiosa. De repente, a casa ficou diferente, as duas engatinhando por todo lado, explorando, descobrindo.
E Juliano se pegou protegendo a casa, colocando proteções nas quinas, escondendo fios, fechando armários baixos, coisas que ele nunca imaginou que faria, coisas que faziam todo o sentido. Agora, uma noite, Juliano estava lendo no sofá, as bebês brincando no chão. Rosa engatinhou até ele, parou na frente do sofá, olhou para cima, colocou as mãozinhas no sofá, tentou se erguer.
Juliano colocou o livro de lado, observou, Rosa puxou, empurrou e conseguiu ficar de pé, segurando no sofá, tremendo, mas de pé. Dafne, ele chamou, a voz baixa para não assustar Rosa. Dafne veio, viu? Cobriu a boca com a mão. Ela tá de pé, sussurrou. Tá. Juliano confirmou. Rosa olhou para eles orgulhosa, depois olhou pro lado, viu Lívia, deu um passinho lateral, segurando no sofá. Outro passo, outro.
Ela tá andando Dafne disse, os olhos brilhando. Tá. Juliano repetiu. E havia algo na voz dele. Algo novo, orgulho. Lívia logo imitou a irmã. Sempre imitava. As duas andando pela sala, segurando nos móveis, tropeçando, caindo, levantando de novo, determinadas, corajosas, crescendo. E Juliano estava ali vendo tudo. Ele começou a participar mais, a brincar de verdade.
Fazia aviãozinho, levantando elas no ar. Elas gritavam de alegria, brincava de esconde esconde, se escondendo atrás do sofá. Elas engatinhavam para procurar. rindo quando o encontravam. Fazia vozes engraçadas, cantava músicas bobas que inventava na hora, dançava com elas no colo, coisas que ele nunca nunca tinha imaginado fazer e adorava cada segundo.
As bebês começaram a balbuciar, sons aleatórios no começo, depois sons que pareciam quase palavras. Má má, Rosa fazia bá bá bá. Lívia respondia. Nenhuma ainda tinha falado mamãe de verdade, nem papai. Eram sós, experimentações. Mas a forma como olhavam, Rosa olhava para Dafne com tanto reconhecimento. Sabia quem era a mãe sem precisar de palavras.
E Lívia, Lívia tinha começado a olhar para Juliano de uma forma diferente. Quando ele chegava perto, ela esticava os bracinhos. queria colo dele especificamente. Dafne notou. Ela gosta de você, disse um dia. Ela gosta de todo mundo. Juliano respondeu: “Não é diferente. Olha, Rosa choramingou. Dafne pegou. Ela se acalmou na hora. Lívia choramingou.
Dafne tentou pegar. Ela continuou chorando. Olhou para Juliano. Ele pegou. Lívia parou de chorar imediatamente, se aconchegou no peito dele. Viu, Dafne? Sorriu. Ela te escolheu. Juliano olhou para bebê nos braços, tão pequena, tão confiante nele, e sentiu algo imenso no peito, algo que não tinha nome, ou tinha tantos nomes que não sabia qual escolher.
Amor, proteção, pertencimento. Uma tarde, ele estava com as duas no colo. Dafne tinha saído rapidamente no mercado. Ele ficou com elas, não teve medo, não se sentiu incapaz, apenas ficou. Lívia adormeceu no ombro dele, rosa no outro, as duas respirando suave, confiantes, seguras. Juliano ficou completamente imóvel, sem querer acordá-las.
Olhou para elas, realmente olhou. As bochechinhas rosadas, os cabelinhos loiros, os cílios compridos, as mãozinhas pequenas agarradas na camisa dele e pensou: “Isso é o que eu sempre achei que não precisava”. Durante anos, ele tinha se convencido de que era melhor sozinho, que não precisava de família, que não precisava de conexão, que bastava ele mesmo, mas estava errado, completamente errado.
Isso aqui, esse momento, essas duas bebês dormindo confiantes nos braços dele, a casa cheia de vida, de sons, de propósito. Isso era o que ele sempre tinha precisado. só não sabia ou não queria admitir, porque admitir significava reconhecer que estava vazio, que estava sozinho, que algo fundamental estava faltando. Mas agora, agora ele não estava vazio, não estava sozinho, nada faltava.
tinha essas duas pequenas vidas que o olhavam com reconhecimento, que estendiam os bracinhos quando ele chegava perto, que riam com suas caretas bobas, que dormiam seguras nos braços dele. Safne, que tinha visto algo nele que ele mesmo não via, que tinha acreditado que ele tinha coração quando todos diziam que não.
Eles não eram família dele, não oficialmente, não papel, mas ali naquele momento, com duas bebês dormindo no colo e esperando Dafine voltar para casa. Pareciam família. E pela primeira vez na vida, Juliano entendeu o que isso significava. Não era sobre sangue, não era sobre papéis, não era sobre obrigações, era sobre escolha, sobre presença, sobre estar ali completamente sem reservas.
Era sobre ver alguém rolar pela primeira vez e sentir orgulho. Era sobre comemorar quando alguém dava o primeiro passo. Era sobre fazer caretas bobas só para ouvir uma risada. Era sobre ficar, sempre ficar. E Juliano finalmente estava pronto para isso. Estava pronto para ser mais que uma presença distante. Estava pronto para ser parte de algo maior que ele mesmo. Estava pronto para amar.
Mesmo sendo assustador, mesmo sendo arriscado, mesmo significando que podia se machucar. Valia a pena. Cada risada, cada passo, cada olhar de reconhecimento valia tudo. Dafne chegou e encontrou Juliano no sofá. As duas bebês dormindo nele. Ela não disse nada, apenas sorriu. E Juliano sorriu de volta, um sorriso que dizia tudo. Obrigado por me mostrar. Obrigado por acreditar. Obrigado por ficar.
A casa respirava e ele também. completamente, finalmente vivo. Os meses tinham passado rápido demais. Juliano mal acreditava que já fazia quase se meses desde que Dafne tinha tocado aquela campainha, desde que três pessoas tinham entrado na vida dele e mudado absolutamente tudo. Era uma tarde de domingo.
O sol estava começando a se pôr. A casa estava tranquila. Lívia e Rosa tinham dormido cedo, cansadas de um dia inteiro brincando no jardim. Dafne estava na varanda dos fundos. Juliano a viu pela janela do escritório, sentada na cadeira de balanço velha que ele nunca usava. Olhando pro céu que ficava laranja, algo o fez descer. Abriu a porta de vidro que dava pra varanda.
O ar fresco da noite entrou. “Posso sentar?”, ele perguntou. Dafne olhou para ele e sorriu. Claro, é sua casa. Juliano sentou na outra cadeira. Ficaram em silêncio por um momento, apenas observando o pôr do sol. “É bonito”, Dafne disse baixinho. Eu nunca tinha parado para ver antes. Sempre estava correndo, sempre preocupada com o dia seguinte.
Mas aqui, aqui eu consigo só parar e ver. É bom parar. Juliano concordou. É. Ela olhou para ele. Obrigada por isso. Por me dar um lugar onde eu posso parar, onde posso respirar. Você não precisa agradecer. Preciso sim, ela insistiu. Você salvou a gente literalmente. Eu não sei onde estaríamos se você não tivesse aberto aquele portão.
Juliano ficou quieto, não sabia o que dizer. Eu juntei dinheiro, Daffne disse de repente. Ele olhou para ela surpreso. O quê? Dinheiro? Ela repetiu. Nos últimos meses eu vendi algumas coisas online. Roupas que fiz, artesanato. Não é muito, mas é suficiente para alugar um quartinho pequeno. Consegui até um trabalho, meio período.
Posso levar as meninas? Começo semana que vem. Juliano sentiu algo gelado no estômago. Você vai embora? Não era uma pergunta, era uma constatação. Dafne olhou para ele. Havia algo nos olhos dela, algo que ele não conseguia decifrar. Era o combinado ela disse suavemente. Eu ficaria até me reerguer, até conseguir me sustentar sozinha.
E agora? Agora eu consigo. É. Juliano disse a voz saindo estranha. Era o combinado. Silêncio caiu entre eles, pesado, desconfortável. “Mas eu não quero ir”, Dafne disse de repente, a voz quebrando um pouco. Juliano olhou para ela rapidamente. “O quê? Eu não quero ir”, ela repetiu, as lágrimas começando a aparecer.
“Eu sei que era o combinado. Eu sei que essa não é minha casa, que eu não tenho direito de ficar para sempre.” Mas e ela limpou uma lágrima. Essa casa virou um lar. As meninas cresceram aqui. Elas conhecem cada canto. Elas Elas te conhecem, te amam. E eu Parou, respirou fundo. Eu também não quero ir embora. Juliano disse a voz rouca.
Quero dizer, eu não quero que você vá. Dafne olhou para ele, os olhos brilhando. Sério? Sério? Ele confirmou. Eu eu me acostumei com vocês aqui, com os sons, com a vida. Eu não quero que isso acabe. Mas essa não é minha casa. É, Juliano interrompeu. É sim, é sua casa, delas, de vocês três. Ele se inclinou pra frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.
Eu passei anos vivendo sozinho nessa casa enorme, achando que era isso que eu queria, mas era só medo. Medo deixar pessoas entrarem, medo de ser abandonado de novo. Olhou para ela. Mas você, vocês mudaram isso, mudaram tudo? Como? Dafine sussurrou. Me mostraram o que é realmente viver. Ele disse simplesmente não só existir, viver, sentir, estar presente. Ele fez uma pausa. Acho que somos uma família.
As palavras saíram antes que ele pudesse pensar muito, mas no momento em que disse, soube que eram verdade. Dafne cobriu a boca com a mão, as lágrimas descendo livremente agora. Você acha? Acho. Juliano confirmou. Não no papel. Não oficialmente, mas no que importa. Sim, acho que somos.
Dafne soluçou, um soluço de alívio, de alegria, de gratidão. Eu também acho. Ela disse entre as lágrimas. Eu também acho isso há semanas. Mas tinha medo de dizer, medo de presumir, medo de estar errada. Não tá errada. Juliano disse. Tá completamente certa. Ele estendeu a mão devagar, hesitante.
Dafne olhou pra mão dele, depois pro rosto dele e colocou a mão dela na dele. Os dedos se entrelaçaram naturalmente, como se sempre tivessem pertencido assim. Juliano apertou de leve, Dafne apertou de volta. ficaram assim mãos dadas, olhando pro céu que agora era rosa e roxo. “Fica”, Juliano disse baixinho. “Por favor, não como hóspede, não temporariamente. Fica de verdade para sempre”.
“Tem certeza?” Dafne? Perguntou a voz trêmula. Absoluta. Ele respondeu sem hesitar. Essa casa tá viva por causa de vocês. Eu tô vivo por causa de vocês. Não quero voltar a ser como era antes. Dafine assentiu. Não conseguia falar. Só chorava e a sentia. Então, devagar, ela se inclinou, apoiou a cabeça no ombro dele.
Juliano ficou imóvel por um segundo, depois relaxou, aceitou o peso dela, aceitou a proximidade, soltou a mão dela só para passar o braço ao redor dos ombros dela, puxou-a para mais perto. Dafne se aconchegou, encaixou-se perfeitamente ali. E ficaram assim, enquanto o céu escurecia, enquanto as estrelas começavam a aparecer, enquanto a noite caía suave sobre eles.
Não precisavam dizer mais nada, não precisavam prometer, não precisavam assinar papéis ou fazer juramentos. Já tinham escolhido. Juliano tinha escolhido abrir aquele portão, escolhido oferecer comida, escolhido dar abrigo, escolhido ficar. Dafne tinha escolhido confiar. Escolhido aceitar ajuda, escolhido construir uma vida ali, escolhido ficar.
E as meninas, as meninas tinham escolhido sem saber que estavam escolhendo. Tinham escolhido com cada risada, cada abraço, cada olhar de reconhecimento. Eles já eram uma família há semanas, talvez há meses, só precisavam admitir e agora tinham admitido. “A meninas vão ficar felizes”, Dafne murmurou contra o ombro dele. “Elas amam você. amam de verdade.
Eu também amo elas”, Juliano disse. E dessa vez as palavras saíram fáceis, naturais. E você? Dafne levantou a cabeça, olhou para ele, os olhos arregalados. Eu amo você”, ele repetiu, encontrando os olhos dela. “Não sei quando começou, não sei como, mas amo e quero que você fique, não por pena, não por obrigação, mas porque eu te amo e amo elas e quero que a gente seja isso, uma família de verdade.
” Dafne sorriu, um sorriso enorme, verdadeiro, molhado de lágrimas. Eu também te amo”, ela sussurrou. “Acho que desde aquele dia, quando você comprou os ursinhos, quando você me ouviu chorar e não disse nada, mas soube, você sempre soube.” Juliano puxou-a de volta pro abraço, mais apertado dessa vez, e Dafne deixou, encostou a cabeça no ombro dele, de novo, fechou os olhos.
“Obrigada”, ela murmurou, “Por nos salvar, por nos dar um lar, por nos dar você”. Obrigado você, Juliano respondeu a voz rouca de emoção. Por me salvar também, por me mostrar que eu tinha coração, por me dar uma razão para viver. Ficaram assim até tarde, até o frio começar a apertar, até ouvirem um choramingo lá de dentro. Uma das meninas acordando.
É a Lívia, Dafne disse, levantando. Ela sempre acorda quando tem fome. Eu vou, Juliano disse, levantando também. Dafne sorriu. Vamos juntos. E foram mãos dadas. Entrando na casa quente e iluminada, Juliano pegou Lívia. Dafne pegou a mamadeira. Ele sentou no sofá com a bebê. Dafne sentou ao lado. Rosa ainda dormia no quarto.
Lívia tomou a mamadeira, os olhinhos sonolentos olhando para Juliano, confiante, segura, amada. E Juliano olhou para Dafne ao lado, pro bebê nos braços, paraa casa ao redor e pensou: “Isso é lar”. Não porque era perfeito, não porque não tinha problemas, não porque era fácil, mas porque tinha amor, tinha presença, tinha escolha. Eles tinham escolhido ficar todos eles. E essa escolha mudou tudo.
A casa não era mais vazia, o coração dele não era mais frio, a vida dele não era mais pela metade, era completa, finalmente completa. Lívia adormeceu de novo. Juliano a levou de volta pro quarto. Colocou com cuidado ao lado de Rosa. Ficou ali por um momento, olhando as duas dormirem. tão pequenas, tão perfeitas, tão dele.
Dafne apareceu ao lado dele, passou o braço pela cintura dele, ele passou o braço pelos ombros dela e ficaram assim, olhando as meninas dormirem juntos, completos, uma família não perfeita, mas real, não tradicional, mas verdadeira, não planejada, mas certa. E isso era tudo que importava, tudo mesmo.
Era o primeiro aniversário das gêmeas. Dafne acordou cedo, preparou um bolinho simples na cozinha, nada muito elaborado, farinha, ovos, açúcar, o que tinha em casa. Decorou com glacê caseiro, desenhou duas velinhas com caneta de glacê. ficou torto, mas foi feito com amor. Só nós três hoje, ela murmurou, olhando o bolinho.
Mas tá bom, a gente tem uns aos outros. Juliano tinha saído cedo, disse que precisava resolver algo urgente. Voltaria logo. Dafne não questionou. Vestiu as meninas com os vestidinhos mais bonitos que tinham. Rosa claro, combinando, penteou os cabelinhos loiros. “Hoje vocês fazem um ano”, ela disse, beijando as duas.
Meus amores, minhas princesas, Lívia e Rosa bateram palminhas. Não entendiam o conceito de aniversário, mas sentiam a alegria da mãe. Meio-dia chegou. Juliano não tinha voltado ainda. Dafne colocou o bolinho na mesa, acendeu as velinhas improvisadas, esperou, então ouviu a porta da frente abrindo.
Tafine Juliano chamou. Vem aqui, traz as meninas. Ela franziu a testa. Havia algo diferente na voz dele. Empolgação. Pegou as duas, foi até a sala. A porta dos fundos estava aberta. Juliano parado ali, sorrindo. “Vem ver”, ele disse. Dafne saiu e parou. O jardim tinha se transformado.
Uma mesa estava montada embaixo da árvore grande, toalha colorida, pratos, copos e no centro um bolo grande, lindo, decorado com flores de glacê rosa e azul, Lívia em rosa, um ano, escrito no topo. Balões coloridos estavam amarrados nas cadeiras, flutuando no vento, rosa, azul, amarelo, chapéus de papel em cada lugar.
com desenhos de estrelas e corações e Juliano parado ali olhando para ela. “Feliz aniversário para as nossas meninas”, ele disse suavemente. Dafne cobriu a boca. As lágrimas vieram instantâneas. “Você fez isso?” “Fiz”, ele confirmou. “Elas merecem. Vocês merecem.” Dafne não conseguia falar, só chorava. balançava a cabeça em descrença. Em gratidão.
Juliano se aproximou, pegou rosa dos braços dela. Dafne segurava Lívia. “Vamos cantar”, ele disse. Eles foram até a mesa, sentaram as meninas nas cadeirinhas altas que Juliano tinha comprado. Colocaram os chapéus de papel nelas. Lívia e Rosa olhavam tudo com olhos enormes, brilhando, curiosos, felizes.
Juliano acendeu a vela grande no centro do bolo e eles cantaram juntos. Parabéns para você. As meninas batiam palminhas, riam, não entendiam, mas sentiam. Sentiam o amor, a celebração, a família. Quando terminaram de cantar, Dafne olhou para Juliano. Ia agradecer, ia dizer algo, mas antes que pudesse, ouviu. Mamãe! Lívia gritou, estendendo os bracinhos para Dafne. Dafne congelou. Ela ela acabou de mamãe.
Rosa repetiu também estendendo os braços, as primeiras palavras, depois de meses tentando, balbuciando, praticando. E elas tinham escolhido hoje. Dafne as pegou, abraçou forte, chorando, rindo, beijando. Minhas meninas, meus amores. Sim, mamãe tá aqui sempre. Então Rosa se soltou, olhou para Juliano, esticou os bracinhos na direção dele.
Papá, ela disse claramente. Lívia também virou, viu? Juliano, sorriu aquele sorriso banguela. Papá, ela repetiu. O mundo parou. Juliano ficou completamente imóvel, olhos arregalados, boca aberta. Depois, devagar, se abaixou, ficou na altura delas. Elas me chamaram de papai. Ele sussurrou, a voz quebrando. Elas, elas disseram, papai.
As lágrimas desceram pelo rosto dele, sem controle, sem vergonha. Dafne se aproximou, colocou a mão no rosto dele. “Elas sabem quem você é”, ela disse suavemente, os próprios olhos molhados sempre souberam. Juliano olhou para ela, depois para as meninas, depois de volta para ela e a puxou. Num abraço forte, completo, sem pressa. Dafne derreteu ali.
Encaixou-se perfeitamente, como sempre encaixava. Eles ficaram assim, abraçados com as duas bebês entre eles, rindo, falando: “Mamãe, papá!” Então, Juliano se afastou um pouco, olhou nos olhos de Dafne e a beijou. Não foi um beijo de impulso. Não foi urgente ou desesperado. Foi suave, completo, verdadeiro, um selo de algo que tinha sido construído devagar, com tempo, com cuidado, com amor. Quando se separaram, estavam sorrindo, chorando, felizes.
Eu te amo, Juliano disse. Eu também te amo. Dafne respondeu. E ali, naquele jardim onde a grama finalmente tinha crescido de novo, onde balões coloridos flutuavam no vento, onde um bolo esperava ser cortado, uma família celebrava, não perfeita, mas real, não tradicional, mas verdadeira.
Naquela casa onde antes só existia silêncio, agora havia som, risadas, palavras, música, onde antes só existia uma vida vazia, agora havia uma família completa, viva, feliz. A grama tinha crescido, mas o coração dele também e era o melhor crescimento de todos.
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